Parte 1

O Além e a Sobrevivência do Ser




Proponho-me, nestas páginas, abordar uma das mais altas e mais graves questões com que defronta o pensamento humano.


Haverá em nós um elemento, um princípio que persista, depois da morte do corpo? Haverá qualquer coisa da nossa consciência, da nossa personalidade moral, da nossa inteligência, do nosso eu, que subsista à decomposição do invólucro material?


Neste breve estudo, deixaremos de lado o domínio das esperanças religiosas, por muito respeitável que seja, assim como o das teorias filosóficas, para exclusivamente buscarmos as provas experimentais capazes de nos fixarem a opinião. Atualmente, as afirmações dogmáticas e as teorias especulativas já não bastam. O espírito humano, que se tornou difícil de contentar-se, por efeito dos métodos científicos e de crítica hoje em uso, exige para toda crença uma base positiva, um criterium de certeza.


Antes de tudo, no exame que vamos fazer, uma coisa nos impressiona. Na época atual, em que tantas convicções se enfraquecem e extinguem, em que tantas ilusões se esfrangalham, o respeito, o culto da morte, continua sendo uma das raras tradições vivas. A lembrança dos seres queridos se conserva, intensa e profunda, no coração do homem. Foi em Paris, não o esqueçamos, que se estabeleceu o costume de saudar os féretros ao passarem.


Não é um espetáculo tocante ver, nos dias 1º e 2 de novembro, por sob um céu geralmente acaçapado e sombrio, às vezes até fustigadas por uma chuva insistente, aborrecida e gelada, numerosas multidões se encaminharem para os cemitérios, a fim de cobrirem de crisântemos os túmulos daqueles a quem amaram?!


Aos que voltam dessa piedosa peregrinação e mesmo aos que, em todas as épocas do ano, acompanham um enterro, não se apresentará esta interrogação: Que é feito de todos esses viajantes que transpuseram os umbrais do mundo invisível? E o pensamento de cada um interroga o oceano silencioso dos mortos!


Sim, não obstante o desenfreado amor à matéria, característico dos tempos atuais, não obstante a luta ardorosa pela vida, luta que nos arrebata em sua engrenagem e nos absorve inteiramente, a idéia do Além se ergue a todo instante em nosso íntimo. Suscitam-na o espetáculo quotidiano das tristezas da Humanidade, a sucessão das gerações que surgem e passam, as chegadas e partidas que se verificam em torno de nós, as constantes migrações, de um mundo para outro, daqueles que partilharam dos nossos trabalhos, das nossas alegrias, das nossas dores, dos que teceram a nosso lado a teia não raro tão dolorosa da existência.


A todos quantos essa questão se tenha apresentado, direi: Nunca percebestes, no silêncio profundo das horas noturnas, das horas de insônia, quando tudo repousa em derredor, algum ruído misterioso, que se assemelhasse a uma advertência de amigos ou, melhor ainda, o murmúrio de um ente caro tentando fazer-se ouvir? Não haveis sentido passar-vos por sobre a fronte como que um sopro ligeiro, brando qual carícia, ou o roçar de uma asa? Freqüentemente hei tido essa sensação.


Mas, dir-me-eis, isto é por demais vago e pouco concludente. À nossa época de cepticismo são necessárias manifestações de outra precisão, fenômenos mais tangíveis, mais probantes.


Ora, tais manifestações existem e delas é que vamos tratar, penetrando assim o domínio do espiritualismo experimental, o domínio das novas ciências psíquicas que projetam luz intensa sobre o problema do Além.


Desde alguns anos estas ciências têm tornado uma extensão considerável e não é mais possível ao homem inteligente desconhecê-las ou desprezá-las. A despeito das fraudes e dos embustes, os fenômenos psíquicos reais, de todas as ordens, se multiplicaram de tal maneira que a possibilidade de se produzirem não mais dá lugar à dúvida. Se alguns sábios ainda os discutem, é antes do ponto de vista das causas atuantes do que da realidade dos fatos considerados em si mesmos.


Há vinte ou trinta anos se verificou o nascimento de uma nova ciência. Rompendo o círculo apertado em que a ciência de ontem, a ciência materialista se confinara, ela rasgou ao espírito humano imensas aberturas sobre a vida invisível.


O descobrimento da matéria radiante, isto é, de um estado sutil da matéria, até então fora, completamente, do alcance das nossas percepções, o descobrimento dos raios X, das ondas hertzianas e da radioatividade dos corpos demonstraram a existência de forças, de potências incalculáveis e a possibilidade de formas de existência que os nossos fracos e limitados sentidos, por inaptos, não percebem.


Assim como o mundo dos infinitamente pequenos se nos conservava desconhecido antes da invenção do microscópio, assim também, sem as descobertas de W. Crookes, Roentgen, Berthelot e Curle, ignoraríamos ainda que um infinito de forças, de radiações, de potências nos cerca, envolve e banha nas suas profundezas.


Porém, depois daquelas demonstrações, que homem ousaria, doravante, fixar limites ao império da vida? A própria morte parece não ser mais do que uma porta aberta para formas impalpáveis, imponderáveis da existência; as ondas da vida invisível marulham sem cessar em torno de nós.


Muitos há que freqüentemente inquirem de si mesmos onde está o Além; mas o Além e o Aquém se penetram, se confundem: estão um no outro.


O Além é simplesmente o que não alcançam os nossos sentidos, que, como se sabe, são muito pobres, não nos permitindo, por isso, perceber senão as formas mais grosseiras da vida universal.


As formas sutis lhes escapam absolutamente. Que é que a Humanidade, durante longo tempo, soube do Universo? Quase nada! O telescópio e o microscópio alargaram em sentidos opostos o campo de suas percepções. Àquele que, antes de inventado o microscópio, falasse dos infusórios, dessa vida exuberante que desabrocha em miríades de seres nos ares e nas águas, houveram certamente respondido com um encolher de ombros.


Eis que, porém, novas perspectivas se descerram e ignorados domínios da Natureza se revelam. Pode-se dizer que a infância do século XX assinala uma nova fase do pensamento e da ciência. Esta se afasta cada vez mais das linhas acanhadas em que esteve encerrada por tão largo tempo, a fim de levantar o vôo, de desenvolver seus meios de investigação e de apreciação e explorar os vastos horizontes do desconhecido. A psicologia, notadamente, enveredou por outros caminhos. O estudo do eu, da personalidade humana, passou do terreno da metafísica para o da observação e da experiência. Entre as ciências nascidas deste movimento figura o espiritualismo experimental.


Sob esta denominação, o velho Espiritismo, tão escarnecido e achincalhado, tantas vezes enterrado, reapareceu mais vivo e vê aumentar dia a dia o número de seus adeptos.


Não é isto bastante singular? Nunca talvez se vira um conjunto de fatos, considerados a princípio como impossíveis, que não despertavam, no pensamento da maioria dos homens, senão antipatia, desconfiança, desdém; que eram alvo da hostilidade de muitas instituições seculares, acabar por se impor à atenção e mesmo à convicção de eminentes cientistas, de sábios competentes, cheios de autoridade por suas funções e seus caracteres! Esses homens, anteriormente cépticos, chegaram, por via de estudos, de pesquisas, de experiências, a reconhecer e a afirmar a realidade da maior parte dos fenômenos espíritas.


Sir William Crookes, o mais notável físico dos tempos modernos, depois de ter observado, durante três anos, as materializações do Espírito de Katie King e de as haver fotografado, declarou:


“Não digo: isto é possível; digo: isto é real.”


Pretendeu-se que W. Crookes se retratara. Ora, à semelhante insinuação ele próprio respondeu no discurso que proferiu por ocasião da abertura do Congresso de Bristol, como presidente da Associação Britânica para o Adiantamento das Ciências. Falando dos fenômenos que descrevera, acrescentou:


“Nada vejo de que me deva retratar; mantenho minhas declarações já publicadas. Poderia mesmo aditar-lhes muita coisa.”


Russel Wallace, da Academia Real de Londres, na obra intitulada: O Milagre e o Moderno Espiritualismo, descreve:


“Eu era um materialista tão completo e experimentado que não podia, nesse tempo, achar lugar no meu pensamento para a concepção de uma existência espiritual... Os fatos, entretanto, são obstinados: os fatos me convenceram."


O professor Hyslop, da Universidade de Colúmbia, Nova Iorque, em seu relatório sobre a mediunidade de Mrs. Piper, médium de transe, disse:


“A julgar pelo que eu próprio vi, não sei como poderia furtar-me à conclusão de que a existência de uma vida futura está absolutamente demonstrada.”


F. Myers, professor em Cambridge, na bela obra: A Personalidade Humana, chega à conclusão de que “vozes e mensagens nos vêm de além-túmulo”.


Falando de Mrs. Thompson, acrescenta:


“Creio que a maioria dessas mensagens parte de Espíritos que se servem temporariamente do organismo dos médiuns, para no-las transmitir.”


Richard Hodgson, presidente da Sociedade Americana de Pesquisas Psíquicas, escrevia nos Proceedings of Society Psychical Research:


“Acredito, sem a menor sombra de dúvida, que os Espíritos que se comunicam são de fato as personalidades que dizem ser; que sobreviveram à mutação conhecida pelo nome de morte e que se comunicaram diretamente conosco, pretensos vivas, por intermédio do organismo de Mrs. Piper adormecida.”


O mesmo Richard Hodgson, falecido em dezembro de 1906, se comunicou depois com seu amigo James Hyslop, entrando em minúcias acerca das experiências e dos trabalhos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Explica como, para ficar absolutamente provada a sua identidade, deviam as experiências ser conduzidas.1


Essas comunicações são feitas por diferentes médiuns que não se conhecem reciprocamente e umas confirmam as outras. Notam-se as palavras e as frases familiares, em vida, aos que se comunicam depois de mortos.


Sir Oliver Lodge, reitor da Universidade de Birmingham e membro da Academia Real, escreveu em The Hilbert Journal o seguinte, que o Light de 8 de julho de 1911 reproduziu:


“Falando por conta própria e com pleno sentimento de minha responsabilidade, dou testemunho de que, como resultado das investigações que fiz no terreno do psiquismo, adquiri por fim, mas de modo inteiramente gradual, a convicção em que me mantenho após vinte anos de estudo, não só de que a continuação da existência pessoal é um fato, como também de que uma comunicação pode ocasionalmente, embora com dificuldade e em condições especiais, chegar-nos através do espaço.”


E na conclusão do seu recente livro A Sobrevivência Humana, 2 acrescentou:


“Não vimos anunciar uma verdade extraordinária; nenhum novo meio de comunicação trazemos, mas apenas uma coleção de provas de identidade cuidadosamente colhidas, por métodos desenvolvidos, ainda que antigos, mais exatos e mais vizinhos da perfeição talvez do que os empregados até hoje. Digo ‘provas cuidadosamente colhidas’, pois que os estratagemas empregados para a sua obtenção foram postos em prática de um e de outro lado da barreira que separa o mundo visível do invisível; houve distintamente cooperação dos que vivem na matéria e dos que já se libertaram dela.”


O professor W. Barrett, da Universidade de Dublin, declara (Anais das Ciências Psíquicas, novembro e dezembro de 1911):


“Sem dúvida, por nossa parte acreditamos haver alguma inteligência ativa operando por detrás do automatismo (escrita mecânica, transe e incorporação) e fora deste, uma inteligência que mais provavelmente é a pessoa morta que a mesma inteligência afirma ser do que qualquer outra coisa que possamos imaginar... Dificilmente se encontrará solução para o problema dessas mensagens e das ‘correspondências’ de cooperação inteligente entre certos Espíritos desencarnados e os nossos.”


O célebre Lombroso, professor da Universidade de Turim, escrevia na Lettura:


“Sinto-me forçado a externar a convicção de que os fenômenos espíritas são de uma importância enorme e que é dever da Ciência dirigir sem mais demora sua atenção para essas manifestações.”


Mr. Boutroux, membro do Instituto e professor da Faculdade de Letras de Paris, se exprime assim no Matin de 14 de março de 1908:


“Um estudo amplo, completo do psiquismo não comporta unicamente um interesse de curiosidade, mesmo científica; interessa também muito diretamente à vida e ao destino do indivíduo e da Humanidade.”


O sábio Duclaux, diretor do Instituto Pasteur, em uma conferência que fez no Instituto Geral Psicológico, há alguns anos, dizia:


“Não sei se sois como eu, mas esse mundo povoado de influências que experimentamos sem as conhecermos, penetrado desse quid divinum que adivinhamos sem lhe apreendermos as minúcias, ah! esse mundo do psiquismo é mais interessante do que este outro em que até agora se encarcerou o nosso pensamento. Tratemos de abri-lo às nossas pesquisas. Há nele, por se fazerem, imensas descobertas que aproveitarão à Humanidade.”